segunda-feira, 23 de maio de 2011

A louça

Ser mulher às vezes é muito difícil. E como eu não posso ser homem, acho que o difícil é ser humano. Ontem domingo estive próxima de atividades muito próprias do universo feminino. Arrumei minha cama com muito cuidado, lavei alguma louça, organizei a mesa grande do almoço. Adoro essas funções da casa, me aproximam de uma dimensão de feminilidade diferente daquela que vivo dia a dia. Parece que me reconecto a algum passado que não me recordo, uma memória ancestral de algo que nunca cheguei a viver de fato, mas sinto como ecos de outras experiências. Tudo isso a louça. E a cama também.

Ao mesmo tempo, desde que as mulheres puderam sair de casa, a gente se depara com situações imprevisíveis, que ainda não foram domesticadas como a roupa de cama. Se no espaço da casa a vida já entrava e pronto, toma aí uma surpresa, na rua há infinitos outros meios de a mulher exercer a feminilidade, modos às vezes conflitantes. E o que pode parecer mais fácil, certa atitude que libera toda a liberdade de ser mulher e falar e fazer, cobra o reverso de fortaleza e solidão. Autossuficiência. Ninguém é autossuficiente, nem homens e nem mulheres. Mesmo que se diga, mesmo que se viva. Dói.

E ontem também num disco da Clara Nunes ouvi a "Iracema" do Adoniran Barbosa. Ai que música triste. Depois que Iracema vai embora, e não há mais nem um retrato que possa representá-la, o amante ainda guarda, como lembrança, suas meias e seus sapatos, literalmente o que sobrou de Iracema. A intimidade da meia e do sapato que vestiram um dia Iracema. É assim que ela ainda vive, permanece. Nada mais irônico ou mordaz, já que foram justamente os pés de Iracema que a conduziram à morte. Na música ela morre atropelada. É impressionante a capacidade que roupas e objetos têm de nos trazer uma memória, muito forte, ou de nos transportar para outra dimensão. No livro O casaco de Marx Peter Stallybrass fala lindamente sobre esse assunto. Assim a louça, assim também as meias e os sapatos.

Não consegui achar um vídeo bacana da Clara Nunes cantando "Iracema", mas encontrei esse da Elis Regina:


quinta-feira, 19 de maio de 2011

Adília Lopes

Hoje lembrei de Adília Lopes, poeta nascida em Lisboa em 1960. Adoro seu poema "Eclesiastes", acho lindo. A editora Cosac Naify, em parceria com a 7 Letras, publicou em 2002 uma antologia muito bem cuidada de Adília. Vale a pena.

"Eclesiastes

'Seulete suy et seulete vueil estre
Seulete m'a mon doulx ami laissiee'

Christine de Pisan

Tempo de foder
tempo de não foder
saber gerir
os tempos
compor
saber estar sozinha
para saber estar contigo
e vice-versa
aqui estão as minhas contas
do que foi"

Saber estar sozinha às vezes é tão difícil. Nem sempre é fácil vestir o próprio corpo.

domingo, 8 de maio de 2011

Vestido de papel de seda

Ontem participei da Marcha pela Legalização da Maconha. Concordo que a legalização pelo menos do cultivo caseiro combate o crime organizado. E marchei pela causa. Não estava com máquina de fotografia, uma pena, muitas roupas engraçadas. Mas o melhor figurino, pra mim, foi um cara com um vestido de papel de seda. Impecável e muito original. Com uma blusa verde por baixo, o vestido de papel de seda, por conta do material, ia acabando, assim como um cigarro. Figurino perfeito.

***

Às vezes o próprio corpo é a indumentária mais difícil de vestir. Hoje, dia das mães, começo a sentir a chegada "daquele período" (adoro period inglês). É uma melancolia que literalmente começa no útero. E o mundo inteiro, todos os objetos, as pessoas, os sentimentos, passam a ter cinco centímetros a mais de profundidade.
***

Há coisa de três semanas posei para a fotógrafa Anna Fischer. Ela adora retratos, e eu gostei muito desse que ela fez de mim.




 

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Inverno

Hoje fui a Petrópolis, e o inverno começou.

Por isso entrei naquela fase de troca de armário, quando os casacos de cima são convidados a descer. Tirando a alergia que me ataca ferozmente nessa época do ano, adoro esses momentos de redescoberta. Todo casaco traz uma memória. É muito bom.


Também é bom se apaixonar novamente por certas peças esquecidas. Hoje reencontrei uma saia preta, evasê, na altura do joelho. Nunca me entendi com sua pala, vira e mexe a saia sambava. Mas hoje, depois de Petrópolis e do inverno, me ocorreu de combinar um cinto. E deu certo.

Engraçado hoje falar de Petrópolis, dia de um casamento  real. Ainda não vi nenhuma foto, mas já perguntei pra duas pessoas como era o vestido da noiva - é bom saber da imagem pelo outro. Cada uma o descreveu de modo diferente. Mas nesse parágrafo eu ia dizer que estou lendo a biografia de João Cândido - o almirante negro - escrita pelo historiador Fernando Granato (editora Selo Negro, 22 reais). É um ótimo livro, muito importante a gente conhecer as outras histórias, as que ninguém tinha contado. Além de João Cândido, a Selo Negro também publicou as biografias de Abdias do Nascimento, Nei Lopes.


Estou descobrindo que meu parente presidente Hermes da Fonseca era no mínimo uma pessoa equivocada. Que Deus o tenha, e ainda bem que ele existiu. Só assim pôde nascer Pedro Paulino, meu querido bisavô que renegou anos de história familiar em busca de mais autenticidade na vida.

Enfim, o bom da internet é que você pode falar o que quer, e não necessariamente alguém vai ouvir. Tomara que alguém escute, pelo menos, essa história:


"O historiador José Murilo de Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, fez uma recente descoberta, que ajuda a desvendar o lado humano de João Cândido. Enquanto esteve preso na ilha, ele passava os dias sob a luz de um candeeiro, fazendo bordados com motivos marítimos. Assim, encontrou uma forma de extravasar seus sentimentos, já que estava traumatizado pelas mortes, revoltado pela traição do governo e fragilizado pela situação de preso incomunicável.


Os bordados foram localizados por José Murilo de Carvalho em 1985, no Museu Regional de São João Del Rei (MG). Foram doados ao museu por Antônio Manuel de Souza Guerra, conhecido na cidade como 'Niquinho' e que conhecera João Cândido em 1910, quando estivera, como militar, servindo na Ilha das Cobras.


Os bordados de João Cândido têm o formato de uma toalha de rosto. O primeiro deles, 'O adeus do marujo', encontra-se em boas condições de conservação, a não ser por uma mancha na sua metade inferior, ao que tudo indica causada pelo derramamento de algum líquido.


Em sua parte superior, estão bordadas as letras JCF, iniciais de João Cândido Felisberto. No centro, o título 'O adeus do marujo'. À direita, a palavra 'ordem'. No centro da toalha, na horizontal, duas mãos se cumprimentam e, na vertical, uma âncora intercepta as mãos. Circundando as mãos e parte da âncora, dois ramos (que lembram os ramos de café e tabaco da bandeira imperial e das armas da República). Abaixo da âncora, o nome F. D. Martins (referência a Francisco Dias Martins, comandante rebelde do Bahia). Embaixo, do lado esquerdo, a palavra 'liberdade', e do lado direito, a data 'XXII de novembro de MCMX'."



segunda-feira, 11 de abril de 2011

Elvira



Mantenho a minha obsessão pela memória, pelo que há de vestígio no mundo. Dessa vez peço que minha tia traga antigas fotos de família, para que eu analise as roupas. São muitos os personagens. Todos são personagens. Mas a imagem de Elvira, a avó paterna do meu avô paterno, parece que fica grudada. Elvira foi mãe de Pedro Paulino; Pedro Paulino foi pai de Pedro Carlos; Pedro Carlos foi pai de Carlos Henrique; e Carlos Henrique é meu pai.


Fotos antigas transmitem qualquer coisa mais do que a imagem e todos os seus significados. Fotos antigas transbordam o enquadramento e alargam o campo de sentido: tudo nelas é imagem; tudo nelas é importante. A qualidade do papel, a letra escrita atrás das fotos, o amarelado, as datas escritas à mão, os formatos dos cortes, os rasgos, os amassados, os furos. Tudo nelas é vestígio.


Não sei o ano do nascimento de Elvira, nem o local, se tinha irmãos, quantos, na verdade, não sei quase nada sobre Elvira. Apenas que foi casada com João Severiano, aparentemente um homem bem mais velho. Teve muitos filhos, sendo várias meninas e três garotos. O menino mais novo era Pedro Paulino. Minha tia me disse que Elvira era má. Diz a lenda, como minha própria tia ressaltou. Suas fotos demonstram uma mulher muito bonita, refinada. Transmitem autoridade. Altiva.


Gostavam de gaiolas e passarinhos. Há algumas fotos da família - sem o patriarca, apenas muitas meninas, Elvira, e Pedro Paulino - num espaço que parece um terraço em Paris. E dentre essas fotos, gaiolas e passarinhos. Mais de uma vez Elvira aparece com um turbante típico do início do século XX. Acho que da década de 1910. Seus cabelos eram cacheados, e ela usava um topete muito charmoso.


Posso inventar todos os passados para Elvira. Posso dizer que ela nasceu em 13 de abril de 1880, que teve cinco filhas e três filhos, que casou, como uma mulher do seu tempo, por obrigação, com o homem que lhe recomendaram. Que era a autoridade respeitada da casa, e por isso sua fama de megera. Posso ainda dizer que Elvira adorava Paris, e gostava de manter passarinhos presos. Apesar de não ser uma boa moça prendada, Elvira tinha gosto e pose: apreciava os melhores pianistas, os mais famosos pintores (não os mais modernos), o melhor costureiro, falava francês e era boa em matemática. Não consigo inventar se Elvira tinha prazer na leitura. Arrisco dizer que não na leitura romântica indicada paras as boas moças do século XIX. Mas talvez Elvira adorasse Machado, e já o entendesse (apesar de não concordar e proibir a leitura às filhas).


Tudo isso, porém, não é comprovado, e eu preciso de alguém que me diga a verdade. Alguém que me conte a história, mesmo sabendo que essa pessoa também vai estar inventando. Talvez no caminho eu esbarre em alguma certidão, de casamento ou de óbito, um documento que reforce a ilusão de reconstrução de um passado.


De todas as poses de Elvira, a que mais chamou minha atenção foi essa em que estão muitas das filhas, não sei se todas, já algumas netas e uma de suas noras, Jeanne, uma francesa (olhando Elvira de frente, esta de preto que está à esquerda). Reparem no gesto de Elvira, toda branco, a mão apoiada no queixo, como se examinasse o mundo à sua frente. Como se avaliasse quem a vê. Sua imagem é natural e posada. Inexplicavelmente intrigante. A sensação é de que a todo momento Elvira vai saltar da foto e começar a conversar. Perguntar se a foto está terminada, se há necessidade de mais alguma pose.




Elvira, acho que entre 25 e 30 anos. Cálculos aproximados


Em 1925


Figura central da foto, a família se organizava em torno dela.
Pedro Paulino é esse menino à esquerda, de roupa de marinheiro e chapéu. Foto de 1910


Gaiolas e passarinhos
O turbante com pena


A figura austera de Elvira, toda de preto. Mas os filhos não me parecem infelizes


A foto brilhante, em que Elvira nos encara numa atitude absolutamente peculiar.
De novo, ela é a figura central da foto



sábado, 12 de março de 2011

Mariinha no carnaval

Sangue é coisa séria. Minha avó materna, Mariinha, morreu quando eu tinha quase oito anos. Não lembro muito dela, mas o pouco que eu lembro é bem nítido. Mariinha costurava, e bem, segundo minha mãe. Ela gostava de pintar blusas, tecidos, saquinhos de sapato. Lembro de uma tarde que passei na casa de uma amiga dela, muitas senhoras pintando. As senhoras faziam desse jeito, cada reunião era numa casa diferente. Nunca me disseram que era assim, mas imagino que fosse, porque também me lembro dessas reuniões na casa da minha avó, na Urca. A casa dela, aliás, é algo que me lembro com muita nitidez. Os detalhes das portas, o chão da sala de jantar, a cor do banheiro de visitas, o pote de cânfora na bancada, a cozinha, o quarto do meio e uma enciclopédia pra crianças antiga, de capa vermelha. E ainda mais: a iluminação da casa da minha avó.

Mas talvez a lembrança mais forte que eu tenha dela seja a textura da sua pele. É inexplicável. Cada um guarda consigo um pedacinho do outro, e assim as pessoas continuam: as pessoas continuam na fala do outro. Tenho um primo que se lembra muito bem da voz da minha avó. Ele diz que era um instrumento musical. Minha mãe vira e mexe sente o cheiro da minha avó. Eu lembro da pele dela.

Meus avós tinham uma casa afastada da cidade, no Recreio dos Bandeirantes (isso era muito longe há 20 anos), e os primos passavam uns dias das férias nessa casa, sem os pais, só primos e avós. Um dia eu, sempre chorona, estava morrendo de saudade dos meus pais, e chorava. Minha avó, com uma paciência que só as avós têm, me consolava. Ela estava sentada, eu no colo dela, e Mariinha me balançava. Dizia: "Não chora, sua pele vai ficar enrugada que nem maracujá." Eu não gostava quando minha avó dizia isso, e continuava a chorar. Esse é um momento chave da minha memória, da minha história. Foi ali que a pele da minha avó ficou impressa em mim.

Assim como uma memória chave que eu tenho da minha avó paterna, Nilda, é ela pescando num final de tarde no Posto 6, em Copacabana, com o maiô verde-água mais lindo do mundo. Foi ali que eu me apaixonei pelas cores.

O engraçado é eu gostar de roupas e costura, quando Mariinha um dia também gostou, e infelizmente nós nem tivemos tempo pra conversar sobre isso. Engraçado a gente também gostar de pintar tecido. Engraçado eu ter a mão e a letra da minha avó Nilda. Um dia eu perguntei se ela era professora. Nilda disse que não. Mas mesmo assim um dia eu quis ser.

Ainda aproveitando o rabo do carnaval, tudo isso pra mostrar a foto de Mariinha no carnaval de 1946. Com flores, laços e babados.


Mariinha, carnaval 1946



terça-feira, 8 de março de 2011

No dia internacional da mulher


Hoje é terça-feira de carnaval, mas pra mim nem parece. Trabalhar no carnaval é uma experiência um pouco estranha. O mundo está feliz e bêbado, e você, sério e chato, trabalha. Tudo bem que eu não gosto dessa obrigação de estar animado que parece existir no carnaval do Rio de Janeiro. Então trabalhar no carnaval é a desculpa perfeita para aqueles que não estão com vontade de pular.

O que me atrai no carnaval não é exatamente a felicidade, mas o clima de libertação que ele provoca. Os homens mais machos se vestem de mulher ("é o que mais tem", disse uma amiga super foliã), as mulheres, de borboleta, noiva, grávida pirata, diaba... E não são apenas as fantasias. A atitude de todos é mais livre de moral, mais genuína, espontânea. O que às vezes é perigoso, claro. Mas eu gosto.

É o verso do Bandeira por inteiro: "Não quero mais saber do lirismo que não é libertação". Imagina se todos os dias tivessem essa libertação. Seria como servir, nas salas de espera, nos ambientes de trabalho, vinho do porto no lugar de café. Seria maravilhoso.

Acordei com a cabeça no trabalho, concentrada. Daí vi que hoje é dia 08 de março, dia internacional da mulher. Descobri uma coisa boa nesse carnaval, em que o meu olhar está sóbrio e distanciado: toda mulher se acha bonita no carnaval. Parece que no carnaval toda mulher se fantasia de mulher.

Parabéns pra nós. 

Abaixo algumas fotos tiradas no bloco Simpatia é quase amor, que desfila todo domingo de carnaval em Ipanema, na praça General Osório.




quarta-feira, 2 de março de 2011

Uma noite na cozinha



É madrugada. Nada melhor do que virar a noite trabalhando. Eu e ritalina temos dois pedaços grandes de tecido para tingir. Figurino Cia. Étnica de Dança. Depois de erros e acertos, descobri que o tingimento requer persistência e paciência. Quer dizer, é quase um desafio ontológico pra mim.

Antes de tingir é sempre muito bom fazer testes em pequenas tiras do tecido. Há corantes caseiros (desses que a gente compra na Casa Cruz) para tecidos naturais, artificiais (por exemplo, poliamida) e sintéticos. É necessário que se tenha um panelão de cozido, dependendo do tamanho do tecido a ser tingido. Pra dois metros eu fiz o seguinte: enchi o caldeirão e usei quatro potinhos de corante. Uma dica ótima é usar sal. Quando estamos tingindo ele potencializa a absorção do corante pelo tecido; e quando lavamos uma roupa colorida ele inibe que a cor fuja do tecido.

Primeiro a gente mistura o corante na água, mexe; depois coloca o tecido, mexe; daí liga o fogo e deixa cozinhando durante 40 minutos. Sempre mexendo, claro. Nos tecidos artificiais e sintéticos dá medo, porque parece que não vai funcionar. Mas hoje deu tudo certo.


2 metros de tecido de poliamida sendo tingidos no caldeirão

O famoso caldeirão da bruxa

Vigia noturno

Mesa de trabalho

2 metros de tecido de algodão

Vigia noturno

Cuidado e atenção são necessários, a panela fica muito quente

E de quebra uma calçola super-fun tingida de vermelho

Não percam o resultado desse trabalho no teatro Cacilda Becker, no Largo do Machado. A Cia. Étnica de Dança entra em cartaz dia 18/03, às 19h, e segue até 27/03.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Bye bye Facebook


Resolvi sair do Facebook. Hoje. A revista Piauí de fevereiro publicou ótimo artigo de Zadie Smith sobre o Facebook, seu criador, Mark Zuckerberg, e as diferenças entre as gerações 1.0 e 2.0. O texto é muito bom, inspirador, e está (acho que) integralmente no site da Piauí. Muito do que estou dizendo aqui é parte do que Zadie Smith diz lá.

Definitivamente, sou da geração 1.0. Ainda bem.

E justamente por eu ser da geração 1.0, o primeiro motivo que me leva a sair do Facebook é o tempo que se gasta na rede social. Veja bem, eu não entendo o tempo ocupado com o Facebook como algo produtivo, muito menos criador. Acho uma perda de tempo. É uma grande falácia essa história de que o Facebook serve como uma rede de trabalho. Pelo menos pra mim, não. E como é absolutamente viciante, para uma pessoa da geração 1.0, gastar tempo em futilidades na internet, a melhor solução é, como disse o próprio criador do site, deixar de “seguir em frente”.

Sim, porque eu posso seguir pro lado, pra trás, pra diagonal, pra cima, pra baixo, e esse é, na minha opinião, o segundo problema do Facebook: a padronização de sentimentos, gostos. A obsessão por listas. A classificação ostensiva de seus usuários.

Outro fator desagradável do site de Mark Zuckerberg, que se relaciona com o enquadramento que o Facebook faz de seus usuários, é seu caráter extremamente invasivo. A circulação de informações sobre a vida de cada um é intensa. O Facebook sugere que você diga suas cidades natal e atual; seu sexo; data de nascimento; o que te interessa – homens ou mulheres? (e se eu me interessar por cachorros?); você fala algum idioma?; fale sobre você; eleja pessoas de destaque; diga onde você trabalha, onde estudou na universidade e na escola; você tem uma religião? descreva-a; você tem uma preferência política? descreva-a; há alguém que te inspire?; conte-nos suas citações favoritas; quais as músicas de sua preferência? faça uma lista; e os livros? outra lista; filmes, lista; televisão, jogos, lista; você pratica algum esporte?; qual seu time favorito?; ah, sim, claro, e seu atleta favorito?; nos fale das suas atividades, dos seus interesses; adicione seus e-mails; nomes de tela do IM (eu nem sei o que é isso); telefone, endereço, site.

O Facebook quer saber absolutamente tudo sobre você, sem, na verdade, se interessar por nada. O que importa é que você preencha, que você faça parte. Esteja conectado. É claro que o preenchimento é opcional, mas, então, se eu não preencho nenhuma dessas informações, se o site não me serve como prospecção de trabalho, se eu tenho telefone, celular, e-mail, pra que diabos ter uma página no Facebook?

A questão colocada por Zadie Smith em seu artigo é que a tônica do Facebook, inúmeras vezes anunciada inclusive por seu criador, é a conexão pela conexão, não importando a qualidade dessas ligações. A que serve esse tipo de conexão? E, ainda além, pra quem servirão? É fato conhecido o projeto “Facebook Connect, em que os usuários terão a ‘possibilidade’ de ‘conectar’ sua identidade do Facebook a qualquer site”. Nos reduziremos, então, às classificações idiotas do Facebook, seremos plataformas consumidoras. E o Zuckerberg vai ser o homem mais rico do mundo.

Por coincidência, também li essa semana uma matéria na revista Época de 21 de fevereiro sobre o Google Boutiques, que “dá sugestão de looks, deixa que outras pessoas opinem sobre suas escolhas e dirige” – é claro – “para lojas virtuais”. O último parágrafo da matéria é bastante curioso:

“Os sistemas de indicação estão se generalizando. Podem começar a ser usados para vender comida, carros e até imóveis. Chris Anderson, editor da revista americana Wired, escritor e guru de tecnologia, diz que estamos saindo da era da informação para entrar na era da recomendação. Primeiro, surgiu a internet com um volume cada vez maior de informações. Quando o volume cresceu demais para as pessoas encontrarem aquilo que desejam, surgiu a recomendação. Hoje, boa parte de nosso tempo é gasto com sites, filmes e notícias que nossos amigos indicam no Facebook, no Orkut ou no Twitter. Pode ser perda de tempo, ou não. Nos sites de moda, as indicações ajudam. São uma espécie de atalho que, mesmo tosco, mesmo às vezes errando feio, economizam tempo que seria gasto vasculhando aleatoriamente. Se não servirem para mais nada, sites como o Boutique vão ajudar você a chegar a um modelo e a uma cor de roupa que mais tarde podem ser testados de verdade no provador da loja.”

Se estamos vivendo a transição da era da informação para a era da recomendação, o que virá depois, provavelmente, será a era da imposição. E uma imposição velada. Eu compro uma roupa não porque eu gosto, eu quero, ela me cai bem, mas sim porque o Google ou qualquer outro site que o valha me disse que cairia bem, e assim eu passei a acreditar que ela cai bem. Sem nem mesmo, como lembra o final do texto, eu ter experimentado. No fundo, e pensando bem enquanto escrevo esse texto, acho que a gente já vive essa era da imposição desde que o marketing surgiu.

O grande barato da internet é a democratização do conhecimento. Mas parece que agora, com essa onda da recomendação, isso passou a ser o problema. Quanto mais informação, melhor! O que é lixo virtual para alguns não é para outros. Por que eu preciso que um site me diga o que me cai bem? Eu tenho um cérebro, tenho sentimentos, tenho memória, gostos pessoais para saber procurar o que me serve na internet, o que é bom pra mim.

Ao ler a matéria da Época, assinada por Daniella Cornachione, lembrei de um poema de Luís de Camões que trata justamente sobre o verbo errar, sendo entendido em seu duplo significado: deixar de acertar; perambular, vaguear. Exatamente aquilo que a autora chama de “tempo gasto vaculhando aleatoriamente”.

“Erros meus, má fortuna, amor ardente
em minha perdição se conjuraram;
os erros e a fortuna sobejaram,
que para mim bastava o amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
a grande dor das cousas que passaram,
que as magoadas iras me ensinaram
a não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
dei causa que a Fortuna castigasse
as minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse que fartasse
este meu duro génio de vinganças!”

...

E pra quem gosta da vida real, hoje o artista plástico Léo Uzai abre exposição no albergue Z.Bra (av. Gal. San Martin, 1212, Leblon).



 

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Eu uso chapéu


Outro dia estava andando (ou melhor, correndo) atrás de mostras no Saara, literalmente quase morrendo de calor, quando cruzei com a Chapelaria Alberto, tradicionalíssima casa de chapéus do Rio de Janeiro. Foi impossível resistir, e eu nem quis. Estava procurando um chapéu bacana há algum tempo, e lá com certeza encontrei. Usar chapéu é um charme. Protege do sol, dá um it em qualquer roupa, e ainda deixa a gente com um ar misterioso-meio-século-XIX.

Além da Chapelaria Alberto, lembrei do Denis Linhares, que faz chapéus incríveis no Shopping dos Antiquários, na rua Siqueira Campos, em Copacabana. E ontem, domingo, saiu na revista do jornal O Globo um blog muito lindo de meninas talentosas que fazem arranjos de cabeça. Pro carnaval, ou não. É o Can-can.



Foto de Fabio Adolpho

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Nina Simone

O turbante, os brincos, o vestido amarelo e preto. A voz. O cenárido do show. O piano. E os braços, claro.

 

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Coisa de mulher

Algumas máximas "indumentarianas":
 
Levo perfume na bolsa.
Eu me odeio.
Vou colocar mega-hair.
Chicabon é o melhor sorvete do mundo.
"Quando você comprou esse tarô?"
Que cheiro é esse?
Peso 300 quilos.
E portanto amanhã estarei na academia às seis da manhã.
Vou jogar fora todo o meu armário.
Ai, que bolsa linda.
Não sou louca.
Nunca mais eu como no Mac Donald's.
Raspei a cabeça.
Preciso de uma boa costureira.
Eu me amo.

...

Há pouco tempo conheci o blog Devoradora de estórias. Os posts são bem escritos, gostosos de ler. A gente se sente mesmo uma devoradora de estórias.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Marinha

Uma amiga psicóloga, a Christiane, acabou de ser aprovada no concurso da Marinha. Olha a roupa bárbara que ela usou na comemoração de seu aniversário, que foi agora em janeiro. Um lindo e inteligente exemplo de como as roupas dizem e fazem acontecer. Isso é estilo!


Vestido azul com bolinhas brancas, Marinha feminina

O sapato de cetim azul-marinho com poás brancos

E o detalhe do brinco de pérola. Arrasou!
 

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Cabelos brancos


Meus cabelos brancos estão crescendo em grande velocidade. Eles proliferam. É uma progressão geométrica, uma progressão sem fim. O que eu faço? Arranco, corto, raspo (para sempre), passo henna, tonalizante, pinto de super-blond-Marilyn-Monroe? Ou assumo o meu cabelo grisalho? De uns tempos pra cá, sinto perfeitamente quando meus cabelos brancos crescem. Eu sinto mesmo, imagino e até consigo ver o fio se alongando: forte, grosso, branco. Um escândalo. Mas eu não sei o que fazer. Durante um tempo fingi que não via. Depois, optei por mostrá-los aos mais próximos, escandalizada (justamente), me fiando nos comentários “Imagina, não tem nada aí!”. Mas quando os comentários se tornaram “São só uns pouquinhos”, para em seguida “Eu também tenho” ou “Eu também tenho desde jovem”, eu passei a me preocupar. E acontece que eu não sei o que fazer. Isso é uma crise de indumentária? Afinal de contas, ter cabelos brancos é um modo de vestir. De me vestir. Às vezes nossos corpos são as roupas mais difíceis, mais complicadas. As mais caras.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

O que vestir no verão?

Fica a pergunta. Outro dia estava conversando com uma amiga, e confirmei a teoria. Minha crise de indumentária se agrava no período pós-menstrual. Sim, isso existe. E como. O que acontece depois que termina a menstruação é uma espécie de insatisfação crônica com absolutamente tudo o que eu visto. Nada está bom, as roupas parecem desmanteladas, ou muito grandes ou apertadas. E as cores, putz, são todas horríveis, cafonas, nenhuma se acerta com o meu tom de pele. Enfim, é um inferno. Não sei o que acontece. Digo fisiologicamente. Porque deve haver um motivo científico que explique tanto desacerto.

Acontece que no verão tudo se agrava, especialmente se você mora no Rio de Janeiro. É um calor bárbaro, e a verdade é que a gente fica sem vontade de vestir qualquer roupa. O ideal seria um vestido muito leve de algodão branco que nunca sujasse. Mas estamos no mundo real, e o suor existe, assim como o branco que suja toda hora e à-toa. Eu ainda sofro de um outro fator: pelos. Os pelos da minha perna crescem, talvez isso não aconteça com todas, mas depois da tela do seu computador existe uma mulher cujos pelos da perna são escuros e crescem. Essa mesma mulher não tem paciência e nem dinheiro pra fazer depilação a cada 15 dias. E mesmo que tivesse, os pelos ainda não estariam prontos pra serem eliminados. Quer dizer, o trabalho estaria mal feito. Assim, eu, como a maioria das mulheres reais, sofro desse problema de timing na depilação, quando os pelos ainda não estão grandes o suficiente para serem retirados, e nem pequenos o bastante pra gente bancar uma saia.

(Acho maçante isso de blogueiras parecerem princesas e usarem bolsas Marc Jacobs. Por mais que eu tente, não consigo encontrar blogs de moda que falem da moda real, da vida real e para mulheres reais.)

Mais uma vez, no verão tudo se agrava. Usar calça jeans no verão é quase suicídio. Uma solução é vestir outro tipo de calça, feita de tecidos mais leves, como o próprio algodão. Outra seria a saia midi, anunciada no mundo da moda há algum tempo, mas impossível de comprar. É um tamanho de saia lindo, que vai até um pouco abaixo do joelho, ideal pra usar no verão (quando você não está com vontade de mostrar as pernas) e no inverno. Com essa moda – fantástica, aliás – de misturar saias estilosas com T-shirts descoladas, a saia midi cai como uma luva. É um modo moderno de se vestir retrô. Lindinho. O problema é que eu não consigo encontrar saias midi no Rio de Janeiro. Não em lojas para pessoas reais, com preços para pessoas reais. Nas lojas que frequento só vejo saias curtas. Que são o máximo, tudo bem, mas, pô, e quem quer saias um pouco mais compridas? Me ajudem a encontrar saias midi? Fabriquem saias midi!

Encontrei a foto abaixo no blog Scenic world, very very cool and nice.


 ...

Um ato de verão: em noite de lua cheia, mergulhar no mar.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A primeira postagem do ano

Nunca fui muito ligada em réveillon. Prefiro o Natal. Adoro ganhar presentes, e minha ansiedade torna a espera do ano novo quase um suplício. Por isso sempre gostei de dizer que não ligava pro réveillon. Acontece que (Dorival Caymmi tem uma música linda chamada “Acontece que eu sou baiano” e eu adoro essa construção “Acontece que”). Pois acontece que ultimamente eu passei a crer no réveillon, e me rendi às esperanças de um ano melhor. (Com a consciência de que elas são muito perigosas.)

Como primeira postagem do ano, portanto, decidi fazer uma pequena lista de promessas que tenho certeza de que vou conseguir cumprir:

1) Perder dois quilos (na verdade, são cinco, mas me prometo dois);
2) Ler mais;
3) Baixar mais filmes da internet (já tenho uma lista imensa e estou roendo as unhas pra conseguir o Cisne negro, do Darren Aronofsky);
4) Falar menos (ouvir mais fica pra 2012);
5) Trepar mais com meu namorado.

...

O site oficial do Dorival Caymmi é uma pérola. Vale a pena.