sábado, 12 de março de 2011

Mariinha no carnaval

Sangue é coisa séria. Minha avó materna, Mariinha, morreu quando eu tinha quase oito anos. Não lembro muito dela, mas o pouco que eu lembro é bem nítido. Mariinha costurava, e bem, segundo minha mãe. Ela gostava de pintar blusas, tecidos, saquinhos de sapato. Lembro de uma tarde que passei na casa de uma amiga dela, muitas senhoras pintando. As senhoras faziam desse jeito, cada reunião era numa casa diferente. Nunca me disseram que era assim, mas imagino que fosse, porque também me lembro dessas reuniões na casa da minha avó, na Urca. A casa dela, aliás, é algo que me lembro com muita nitidez. Os detalhes das portas, o chão da sala de jantar, a cor do banheiro de visitas, o pote de cânfora na bancada, a cozinha, o quarto do meio e uma enciclopédia pra crianças antiga, de capa vermelha. E ainda mais: a iluminação da casa da minha avó.

Mas talvez a lembrança mais forte que eu tenha dela seja a textura da sua pele. É inexplicável. Cada um guarda consigo um pedacinho do outro, e assim as pessoas continuam: as pessoas continuam na fala do outro. Tenho um primo que se lembra muito bem da voz da minha avó. Ele diz que era um instrumento musical. Minha mãe vira e mexe sente o cheiro da minha avó. Eu lembro da pele dela.

Meus avós tinham uma casa afastada da cidade, no Recreio dos Bandeirantes (isso era muito longe há 20 anos), e os primos passavam uns dias das férias nessa casa, sem os pais, só primos e avós. Um dia eu, sempre chorona, estava morrendo de saudade dos meus pais, e chorava. Minha avó, com uma paciência que só as avós têm, me consolava. Ela estava sentada, eu no colo dela, e Mariinha me balançava. Dizia: "Não chora, sua pele vai ficar enrugada que nem maracujá." Eu não gostava quando minha avó dizia isso, e continuava a chorar. Esse é um momento chave da minha memória, da minha história. Foi ali que a pele da minha avó ficou impressa em mim.

Assim como uma memória chave que eu tenho da minha avó paterna, Nilda, é ela pescando num final de tarde no Posto 6, em Copacabana, com o maiô verde-água mais lindo do mundo. Foi ali que eu me apaixonei pelas cores.

O engraçado é eu gostar de roupas e costura, quando Mariinha um dia também gostou, e infelizmente nós nem tivemos tempo pra conversar sobre isso. Engraçado a gente também gostar de pintar tecido. Engraçado eu ter a mão e a letra da minha avó Nilda. Um dia eu perguntei se ela era professora. Nilda disse que não. Mas mesmo assim um dia eu quis ser.

Ainda aproveitando o rabo do carnaval, tudo isso pra mostrar a foto de Mariinha no carnaval de 1946. Com flores, laços e babados.


Mariinha, carnaval 1946



terça-feira, 8 de março de 2011

No dia internacional da mulher


Hoje é terça-feira de carnaval, mas pra mim nem parece. Trabalhar no carnaval é uma experiência um pouco estranha. O mundo está feliz e bêbado, e você, sério e chato, trabalha. Tudo bem que eu não gosto dessa obrigação de estar animado que parece existir no carnaval do Rio de Janeiro. Então trabalhar no carnaval é a desculpa perfeita para aqueles que não estão com vontade de pular.

O que me atrai no carnaval não é exatamente a felicidade, mas o clima de libertação que ele provoca. Os homens mais machos se vestem de mulher ("é o que mais tem", disse uma amiga super foliã), as mulheres, de borboleta, noiva, grávida pirata, diaba... E não são apenas as fantasias. A atitude de todos é mais livre de moral, mais genuína, espontânea. O que às vezes é perigoso, claro. Mas eu gosto.

É o verso do Bandeira por inteiro: "Não quero mais saber do lirismo que não é libertação". Imagina se todos os dias tivessem essa libertação. Seria como servir, nas salas de espera, nos ambientes de trabalho, vinho do porto no lugar de café. Seria maravilhoso.

Acordei com a cabeça no trabalho, concentrada. Daí vi que hoje é dia 08 de março, dia internacional da mulher. Descobri uma coisa boa nesse carnaval, em que o meu olhar está sóbrio e distanciado: toda mulher se acha bonita no carnaval. Parece que no carnaval toda mulher se fantasia de mulher.

Parabéns pra nós. 

Abaixo algumas fotos tiradas no bloco Simpatia é quase amor, que desfila todo domingo de carnaval em Ipanema, na praça General Osório.




quarta-feira, 2 de março de 2011

Uma noite na cozinha



É madrugada. Nada melhor do que virar a noite trabalhando. Eu e ritalina temos dois pedaços grandes de tecido para tingir. Figurino Cia. Étnica de Dança. Depois de erros e acertos, descobri que o tingimento requer persistência e paciência. Quer dizer, é quase um desafio ontológico pra mim.

Antes de tingir é sempre muito bom fazer testes em pequenas tiras do tecido. Há corantes caseiros (desses que a gente compra na Casa Cruz) para tecidos naturais, artificiais (por exemplo, poliamida) e sintéticos. É necessário que se tenha um panelão de cozido, dependendo do tamanho do tecido a ser tingido. Pra dois metros eu fiz o seguinte: enchi o caldeirão e usei quatro potinhos de corante. Uma dica ótima é usar sal. Quando estamos tingindo ele potencializa a absorção do corante pelo tecido; e quando lavamos uma roupa colorida ele inibe que a cor fuja do tecido.

Primeiro a gente mistura o corante na água, mexe; depois coloca o tecido, mexe; daí liga o fogo e deixa cozinhando durante 40 minutos. Sempre mexendo, claro. Nos tecidos artificiais e sintéticos dá medo, porque parece que não vai funcionar. Mas hoje deu tudo certo.


2 metros de tecido de poliamida sendo tingidos no caldeirão

O famoso caldeirão da bruxa

Vigia noturno

Mesa de trabalho

2 metros de tecido de algodão

Vigia noturno

Cuidado e atenção são necessários, a panela fica muito quente

E de quebra uma calçola super-fun tingida de vermelho

Não percam o resultado desse trabalho no teatro Cacilda Becker, no Largo do Machado. A Cia. Étnica de Dança entra em cartaz dia 18/03, às 19h, e segue até 27/03.